domingo, 1 de novembro de 2009

Plural: '-ãos' ou '-ões'?

      Casos clássicos para explicações novas.

       Q: Deixo-te uma questão para «esmiuçares»: num texto que li numa aula com os 'novas oportunidades' aparece como plural de 'corrimão' tanto «corrimãos» como «corrimões». Como deves calcular: dei com a discrepância... andámos à volta do 'limão', da 'mão', e respectivos plurais... mas não tenho a certeza. Se 'corrimão' vem de 'mão', e vem, eu inclino-me para o 'corrimãos', mas não me soa nada bem.

          R: Um dos sinais da influência do latim na nossa língua evidencia-se na formação do plural de palavras terminadas em ‘-ão’: ‘-ãos’ (ex.: irmãos), ‘-ões’ (ex.: camiões) ou ‘-ães’ (ex.: cães). Porém, há casos de aceitação de duas formas de marcar o plural. Entra aqui o exemplo de ‘corrimão’ ('corrimãos' ou 'corrimões'), a que Celso Cunha e Lindley Cintra já fazem referência na Nova Gramática do Português Contemporâneo como um caso de “esquecimento” da formação original da palavra quando se utiliza o segundo cenário de flexão em número. A tendência assumida para se recorrer à flexão em ‘-ões’ aparece aí explicitada e associada ao critério de frequência e de analogia com outros plurais de palavras simples.
        Ora, o caso de ‘corrimão’, ainda que seja possível associar os constituintes morfológicos a um contexto de composição (‘correr’ e ‘mão’ - o que vai ao encontro do plural ‘corrimãos’), apresenta já pistas de como se processa a lexicalização do termo (a nível tanto semântico como morfológico), afastando-o, portanto, de regularidades morfológicas. Assim se explica como a palavra (encarada como palavra lexicalizada) pode formar o plural como se de uma simples se tratasse, e na sua configuração de plural mais frequente. Há, portanto, um afastamento face à consciência diacrónica da formação (que se tende a perder entre o comum dos falantes). Daí haver quem utilize ‘corrimões’.
           Este é mais um dos casos para exemplificar a funcionalidade do processo de lexicalização, o qual permite a descrição de mecanismos de formação de palavras que escapam à sistematicidade da aplicação de regras gerais.

    E o que era excepção, afinal, enquadra-se em fenómenos ou processos mais vastos (que não deixam de manter afinidades).
     

2 comentários:

  1. usando tantas palavras 'difíceis' o texto fica incompreensível para pessoas fora deste contexto!

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  2. Até pode ser verdade, mas nada de muito diferente do que se passa quando se lêem, no dia a dia, textos de disciplinas como Física, Biologia, Matemática (só para citar alguns casos).
    E quando, numa consulta, se ouve um médico falar? Há termos que até parecem esconder a gravidade da situação. Por exemplo, 'neoplasia'. Sempre soa menos grave do que 'tumor' ou um '-oma' qualquer.
    Para quem defende que o domínio de uma metalinguagem é a consciência de um saber, de uma área de domínio que procura conhecer, sempre é bom construir desafios. A vida é demasiado banal para andarmos sempre a dizer e a falar as mesmas coisas.
    Lembrando-me de um episódio vivido, é bom que se saiba distinguir um quadro de um selim de bicicleta (porque ouvir alguém dizer que até andava nela se não tivesse selim é, no mínimo, risível).
    Em síntese: qualquer dúvida é só perguntar.
    Cumprimentos.

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