terça-feira, 5 de abril de 2011

Como os tempos se repetem... se é que mudaram!

      No reencontro com algumas páginas desse grande romance intitulado Os Maias, de Eça de Queirós...

     Já me perguntei se não estarei dominado pelo romântico mito do eterno retorno. Pode ser trágico o retorno do passado para um presente que indicia retrocessos na sua evolução (por mais ambíguo ou contraditório que isto possa parecer) ou no seu simples fluir - leia-se Frei Luís de Sousa, de Garrett, para assim se concluir.
      E que dizer de umas simples linhas como estas, no capítulo VI do romance queirosiano?

   «Ega ia fulminá-lo. Mas, vendo que o Cohen dava um sorriso enfastiado e superior a estas controvérsias de literaturas, calou-se; ocupou-se só dele, quis saber que tal ele achava aquele St. Emilion; e, quando o viu confortavelmente servido de sole normandelançou com grande alarde de interesse esta pergunta:
    – Então, Cohen, diga-nos você, conte-nos cá... O empréstimo faz-se ou não se faz?
    E acirrou a curiosidade, dizendo para os lados que aquela questão do empréstimo era grave. Uma operação tremenda, um verdadeiro episódio histórico!...
   O Cohen colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu, com autoridade, que o empréstimo tinha de se realizar «absolutamente». Os empréstimos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única ocupação mesmo dos ministérios era esta – «cobrar o imposto» e «fazer o empréstimo». E assim se havia de continuar...
   Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e lindamente para a bancarrota.
     – Num galopezinho muito seguro e muito a direito – disse o Cohen, sorrindo. – Ah, sobre isso, ninguém tem ilusões, meu caro senhor. Nem os próprios ministros da Fazenda!... A bancarrota é inevitável: é como quem faz uma soma...
     Ega mostrou-se impressionado. Olha que brincadeira, hem! E todos escutavam o Cohen. Ega, depois de lhe encher o cálice de novo, fincara os cotovelos na mesa para lhe beber melhor as palavras.
      – A bancarrota é tão certa, as coisas estão tão dispostas para ela – continuava o Cohen – que seria mesmo fácil a qualquer, em dois ou três anos, fazer falir o país...»


    Qualquer semelhança com a realidade não é pura coincidência.
    Diga-se que a literatura é ficção, sempre foi e será; mas quando o tempo alternativo se conjuga tão bem com o real não deixa de ser uma verdade a (re)viver, seja no momento da produção (marcado por um paradigma cientificista e positivista) seja no da leitura e da contemporaneidade (a que o futuro e a História virão a designar com um '-ismo' a estudar). Disto também se fazem as grandes obras.

   Entre máscaras, desencantos, desenganos e desilusões, lá vamos a correr (para não desistir) à procura de um novo "americano", esquecendo de novo o "paiozinho".

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