quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Questões do outro lado do oceano (III)

     A nova pergunta, nova resposta.

     Já vamos na terceira questão apelidada de "estranha" ou "polêmica".

    Q: 3) Em "Ele fez de mim um homem à sua feição", qual é a classificação morfossintática de 'de mim' e de 'um homem'? 
        Abraço!

    R: O enunciado que propõe é revelador de uma construção em que o verbo ‘fazer’ é realizado como núcleo de uma estrutura causativa, associada ao significado da mutação, transformação (o verbo ‘fazer’ adquire aqui o significado do verbo inglês ‘to make’), com o pronome ‘ele’ a configurar o agente dessa estrutura; o grupo preposição+pronome (forma oblíqua) ‘de mim’, o objecto, ao qual se predica ainda a propriedade resultativa: ‘um homem à sua feição’. 
     ‘Fazer de X Y’ equivale a ‘Transformar X em Y’ ou mesmo ‘Tornar X Y’. A aproximação <‘fazer de X Y’- ‘tornar X Y’> tem de comum a relação predicativa final [X ser Y], que se revê nas construções transitivas predicativas. 
    Neste sentido, o grupo preposicionado ‘de mim’ corresponde sintacticamente a um complemento directo (semelhante à realização acusativa ‘me’); ‘um homem à sua feição’, ao predicativo do complemento directo. 
    A estranheza que pode surgir neste exemplo é o facto de se apresentar um complemento directo com preposição (a qual, por sua vez, selecciona a forma oblíqua do pronome pessoal); todavia, não sendo uma configuração sistemática, não se trata de uma ocorrência tão incomum, tomando em linha de conta as seguintes situações análogas: 
    a) com o complemento directo configurado na forma de pronome pessoal oblíquo tónico (ex.: “Não a ti, Cristo, odeio ou te não quero”, como o diz Fernando Pessoa); 
    b) quando se pretende evitar ambiguidade entre os casos acusativo e dativo, ambos a poderem ser configurados por 'me' (ex.: Ele fez de mim um homem à sua feição Vs Ele fez-me um homem à sua feição); 
   c) quando o complemento directo é composto, com o segundo termo coordenado na forma de 'preposição + nome' (ex.: Conheço-o e à mãe / Conheço-o, aliás, conheço a ele e à mãe); 
   d) quando o verbo exprime sentimento e o complemento directo se refere a pessoa ou entidade religiosa (ex.: Amar a Deus > Amá-Lo); 
    e) quando se assinala o complemento directo em construções sintácticas invertidas (ex.: Caim matou Abel > A Abel  matou Caim).
    Além disto, convém não descurar a explicação que coloca o 'de' no foco do verbo, encarando-os como um bloco significativo, capaz de dizer que o núcleo predicativo não é 'fazer', mas sim 'fazer de'.

    Espero ter contribuído, e bem, para a partilha.

4 comentários:

  1. 4) Em "Ele não é tão inteligente quanto ela", o grau é comparativo de igualdade?
    Abraço

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  2. Resposta em novo apontamento.
    Obrigado.
    Abraço.

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  3. E se fosse "Ele fez do homem um homem à sua feição"? O termo sintático "do homem" ainda seria um complemento direto preposicionado ou indireto, uma vez que não se encaixaria em a), b), c), d) e e)? Por favor, peço que envie sua resposta para meu e-mail: mauronoblat@gmail.com.

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    Respostas
    1. O segmento 'do homem' pode configurar-se pronominalmente como 'dele', em equivalência (segundo a diferenciação de pessoa) a um 'de mim'.
      Nesta sequência, a função sintática de um é a mesma do outro: complemento direto, pelas razões aduzidas anteriormente.
      Grato pela questão.

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