terça-feira, 20 de novembro de 2012

Coesão... coesões...

      Na sequência de um comentário a um apontamento anterior, introduzo novo dado sobre a coesão.

      Q: Gostaria de apresentar uma dúvida em relação ao modo como a coesão textual foi tratada na maioria dos manuais, incluindo os que adotamos da ASA:
         1- No DT, a coesão textual pode sustentar-se na coesão interfrásica, lexical e temporal-aspetual.
      2 - Na gramática, nomeadamente na Gramática Prática de Português (Lisboa Editora, 2009), esta área foi tratada de igual modo.
      3 - Nos manuais, a questão aparece expandida, ou seja, surge a coesão frásica e a questão referencial.
     4 - Quanto à coesão frásica, dá a ideia de que surge para colmatar a falha do DT, que não incluiu mecanismos de concordância, de regência, etc.
    5 - A minha dúvida relaciona-se apenas com a chamada coesão referencial, pois nem a entendo como distinta da lexical (bem como das outras, uma vez que todos esses mecanismos requerem sempre um referente) nem é contemplada dessa forma da parte dos enunciados dos exames nacionais.
    6 - Tanto assim é que, nos manuais, a questão da pronominalização vem exposta quer na coesão lexical quer na coesão referencial, como não podia deixar de ser.
     Assim, lanço a questão: por que razão aparece a coesão referencial se é apenas um mecanismo e não um processo?

     R: Começaria por referir o seguinte: o Dicionário Terminológico (DT) não é nem pretende ser uma gramática com o tratamento exaustivo das questões linguísticas. Se, por acaso, alguma gramática (como a que cita) o segue, haverá, por certo, razões que não interessa aqui indicar. Bastaria, para tanto, apontar-lhe a referência da Gramática da Língua Portuguesa (Caminho, 2003, pp. 89-115), coordenada pela Prof. Maria Helena Mira Mateus, como um exemplo que não segue o modo de tratamento exposto e que se revela bem mais amplo na abordagem da questão.
    Se há manuais que expandem o tópico da coesão, focando processos, mecanismos, procedimentos que estão além do DT, ainda bem que o fazem, na lógica da explicitação, concretização e exemplificação de um conceito muito rico e diversificado no que diz respeito à construção textual (na sua dimensão tanto recetiva como produtiva). E, por certo, não esgotarão as potencialidades desenvolvidas pelos diferentes textos em que se apoiam.
       Orientando a reflexão para o domínio particular da coesão referencial, interessará lembrar que a própria definição proposta no DT, ao referir "cadeias de referência", ativa desde logo essa dimensão designativa de uma entidade ou objeto num discurso, fazendo-os representar-se no conhecimento dos participantes envolvidos numa situação comunicativa. Tal referência ora é construída numa relação direta com a realidade extralinguística (exofórica) ora é estabelecida no âmbito textual (endofórica) - e, assim, desde logo, há respetivamente um entendimento diferenciado de partida: pela referência deítica ou pela anafórica, em termos coesivos. Fazer depender um discurso ou um texto de um contexto situado no 'eu-aqui-agora' é uma opção discursiva e a seleção de uma condicionante referencial bem distinta de uma outra mais assente no 'não eu/tu - não aqui/aí - não agora' (por exemplo, a do 'ele-lá-então'). Instituem-se, desde modo, condições diversas na construção da referência, e não nos situamos sequer no plano da coesão lexical.
        Assumir o contraste entre deíticos e anafóricos é, portanto, já por si, orientar a análise para questões de coesão referencial.
         Construir uma cadeia de referência implica coesão referencial, seja esta construída em termos lexicais (mais do plano vocabular) ou gramaticais. É, por exemplo, o que se pode fazer com o levantamento (ao longo de um texto) dos meios utilizados para se referir uma personagem. Entre os elementos gramaticais e os lexicais, é interessante verificar como, nestes últimos, nomeadamente se vai dando conta de uma progressão no tratamento informativo dessa entidade; ou como nos primeiros se processam papéis temáticos e/ou sintáticos diferenciados.
      Em síntese, a noção de coesão referencial subjaz a múltiplos processos ou mecanismos (tão variados como os que possam ir desde o recurso a pronomes, a definitivizações, a elipses, a léxico, a conhecimentos enciclopédicos, entre outros), muitas vezes interrelacionados na rede compositiva e integrativa dos textos e dos discursos coesos.

       Se há conceitos que não precisam de ser explicitados (de acordo com a avaliação que os professores façam do trabalho a dinamizar com os alunos), tal não significa que eles não existem, mesmo quando não figuram em documentos de referência e/ou em documentos reguladores das práticas. Está no trabalho do professor fazer a avaliação das condições em que exerce o seu papel, além de com isso fazer as opções didático-metodológicas associadas e necessárias ao seu desempenho.

2 comentários:

  1. Agradeço a sua resposta. Agradeço igualmente a sua partilha constante através do seu blog. Esclarece-nos e lança-nos desafios. É reconfortante sentirmos que, pela partilha, o nosso processo fica enriquecido. Votos de continuação deste e de outros trabalhos a que se dedica!

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    1. Fico-lhe grato pelo contacto e pelas palavras estimulantes, que reconhecem e dão sentido a esta "carruagem" e neste "comboio" de experiências e viagens feitos de vários saberes sempre em construção.
      No que puder ajudar, conte sempre.
      Cumprimentos e retribuição dos votos de ótimo trabalho.

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