domingo, 12 de janeiro de 2014

O silêncio que deixa ouvir a alma

   Realizada pela polaca Agnieszka Holland, 'Corrigindo Beethoven" (no original 'Copying Beethoven") é uma película de sentidos...

     ... sentidos seja na aceção de sentimentos seja na de sentidos físicos ligados à perceção. No aspeto visual e auditivo, destaca-se a componente plástica das imagens (da cor e dos tons dos inícios do século XIX e da natureza que tanto impressionou o compositor alemão) e a da música, numa banda sonora apostada em segmentos da Nona Sinfonia, da 'Grosse Fugue'¸ mais alguns concertos para piano e orquestra, entre outros. 
     A intriga baseia-se na apresentação do último ano de vida de um génio humanizado: Ludwig van Beethoven (interpretado por Ed Harris). Assume-se que, a partir deste, a música não mais foi a mesma e é sob a perspetiva de Anna Holtz (personagem fictícia representada por Diane Kruger) que se revisita e recria um apontamento entre o biográfico e o fictício, particularmente pelo alinhamento ficcional de uma jovem que aspira a ser compositora. Copista das partituras do mestre, chega a propor-lhe uma correção nos registos (daí a versão portuguesa do título), à luz do entendimento que faz da alma, do estilo musical e composicional daquele com quem partilha notas e melodias. Se, na vida, nem sempre o encontro se estabelece (pela irascibilidade, pela rudeza, pelo primarismo de atitudes e comportamentos de Beethoven), na música e nos ensinamentos à pupila, a construção é mais feliz, ainda que não isenta de alguns constrangimentos que a podiam colocar em risco.
     O grande momento do filme é, sem dúvida, o do dia de estreia da Sinfonia nº 9 em ré menor, concluída em 1824. À surdez de Beethoven valem as mãos e as deixas de Anna - sequência tão imaginária quanto a figura feminina e a regência da orquestra pelo próprio compositor (que, na verdade, apenas teve direito a um lugar especial no palco, junto ao maestro).


    Duas boas representações compõem um paralelismo e uma cadência próprios da sinfonia que se tornou numa das mais reconhecidas obras-primas do repertório musical ocidental, antecessora da música romântica. De salientar, ainda, a incorporação, nesta última, de parte da ode 'An die Freude' ("À Alegria"), de Friedrich Schiller, cantada por solistas e um coro no último movimento. 
   A par desta sequência, todo um primeiro plano fílmico está destinado ao protagonismo da Música, traduzido nas sonoridades, nas vibrações e nos registos codificados em pautas, que desvelam essa linguagem sempre presente na mente, na voz e nas mãos do compositor; ou nesse silêncio divinamente escutado entre duas notas.

       Um filme de 2006, que ganha essencialmente por ser escutado pelo que de criativo Beethoven deu ao mundo, nessa religião da solidão em que viveu.

2 comentários:

  1. Quando vi este filme, senti uma emoção tão forte quanto doce. Fiquei completamente rendida à música, às imagens, à expressão (por vezes, subtil) das personagens. De facto, como tu dizes, a heroína deste enredo é a Música, ou melhor (diria eu), o herói é o Amor à Música, partilhado por Beethoven e Anna!... E por nós que somos arrebatados para dentro da tela.
    Tudo o que tu dizes vem ao encontro do que eu senti/pensei. Na altura, desconhecia Agnieszka Holland e fui à procura de outras obras desta realizadora polaca. Fiquei entusiasmada e dilacerada quando vi o trailer do filme “O Jardim Secreto”, filme esse que até hoje ainda não tive a oportunidade de ver. E como eu gostaria de o ver! Digo isto, porque muito do que fascinou neste “Copying Beethoven” prende-se com a sensibilidade desta mulher. Fica aqui a sementinha desse meu desejo:
    http://www.premiere.fr/Bandes-annonces/Video/Le-Jardin-secret-Teaser-VF

    E agora, deixo estas minhas emoções para mais tarde, porque me esperam os trabalhos dos meus meninos do 12º. Outras emoções, decerto… ;-)

    Um muito obrigada por me relembrares emoções/afetos e postares aqui um pedacinho desse filme envolvente e belíssimo como tu tão bem referes!
    um beijinho grande e um ótimo fim de semana
    IA

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    1. Obrigado eu, amiga, pelo comentário e, acima de tudo, por teres insistido para que visse este filme. Andou lá por casa, entre outras caixas de DVD até que lá arranjei um tempinho para o ver.
      Já me havias dito que tinha em casa um filme fantástico para ver. É verdade que sim, mas também é fantástico para ouvir.
      Beijinho e um bom fim de semana também para ti.
      (Já estou com saudades das nossas segundas-feiras de fila J e da varanda da N-linha!)

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